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Janela de oportunidade

As projeções de crescimento mundial este ano estão sendo revisadas para baixo. A Economist Intelligence Unit, por exemplo, está cortando de 3,9% para 3,4%. Já haveria razões para esses ajustes, mas a guerra na Ucrânia os tornou inevitáveis.

Diante da deterioração em curso do cenário internacional, o ciclo de encolhimento de previsões não deve se encerrar tão cedo.

O fato é que antes mesmo da eclosão do conflito bélico, havia razões para um cenário mais conservador, sendo as principais a desaceleração do comércio mundial, resultante do protecionismo dos países, e a inflação elevada que demanda aperto das condições monetárias mundo afora.

Até que o efeito dos juros altos sobre a inflação se materialize, os países, incluindo o Brasil, vão respirar um ar contaminado por inflação ainda alta e economia se enfraquecendo.

Importante pontuar que a agenda ambiental, ainda que essencial, é um elemento adicional de pressão inflacionária, pelos limites impostos ao aumento da produção de combustíveis fósseis e pela maior demanda de metais associados à transição energética, como níquel, cobre e lítio.

As metas ambientais para 2030 e 2050 são ambiciosas e irão, cada vez mais, exigir o uso dessas commodities, com implicações na dinâmica da inflação por conta dos limites à rápida reação da oferta.

A guerra na Ucrânia pressiona adicionalmente o mercado de petróleo e de derivados, e, também, de grãos. Isso porque a Rússia é o segundo maior exportador no mundo de petróleo bruto e de petróleo refinado, representando, em cada caso, algo como 10% das exportações mundiais. Ainda que em posição inferior no ranking (quarta), é também um grande exportador de gás natural, respondendo por 10% das exportações mundiais.

A substituição de parceiros comerciais pelos importadores não é imediata e enfrenta restrições para o tempestivo aumento da oferta dos países exportadores, por exemplo por limites de infraestrutura.

Há também limitações políticas, como, por exemplo, a Arábia Saudita, que tem adotado uma postura cautelosa para não se indispor com a Rússia, um importante fornecedor de trigo para aquele país.

Vale citar que a Rússia é o principal exportador de trigo no mundo, respondendo por 17% do volume total exportado; no caso do óleo de girassol, a cifra é superior a 15%. Já a Ucrânia responde por 8% do trigo exportado no mundo, 42% do óleo de girassol e quase 12% do milho.

Pelo canal de fornecimento de produtos, o impacto do conflito no Brasil tende a ser menos severo do que aquele em outros países, pois é reduzida a dependência nesses mercados, sem contar o ganho advindo da alta de preços de grãos.

A grande fonte de preocupação está no fornecimento de fertilizantes, sendo o Brasil o maior importador no mundo – representa 13% das importações mundiais —, dependendo essencialmente da Rússia, que é o principal fornecedor no globo.

O Brasil é afetado não só pelo aumento de preços, mas pela dificuldade de obter o produto.

A falta de fertilizantes pode prejudicar a produção agrícola nacional, além de elevar custos e pressionar ainda mais a inflação de alimentos. Na realidade, a alta da inflação é a maior fonte de dor de cabeça, pelos alimentos e também derivados de petróleo.

Como se tem visto, é problema sério para a Petrobras, que sofre grande pressão política. Para o Banco Central, um grande desafio.

Por um lado, a alta da inflação não será toda ela combatida, pois se trata de choque de oferta. Por outro, os repasses do choque na cadeia devem acontecer nesse contexto de inflação tão elevada, quando se reduz o receio de perda de mercado ou clientes por conta de novos reajustes — tende a prevalecer a visão de que todos estão repassando as pressões de custo aos preços finais.

O BC é criticado por todos os lados, por subir os juros e também por deixar a inflação escapar da meta,
novamente.

Esse dilema afeta, em maior ou menor grau, a maioria dos bancos centrais.

O fato de a guerra representar um choque de oferta temporário — ainda que não se saiba sua extensão — significa que, em princípio, os bancos centrais no mundo não precisariam reagir a esta pressão inflacionária primária.

Ocorre que com os estímulos monetários e fiscais excessivos praticados em 2020 ou mesmo 2021, há descasamentos entre oferta e demanda em muitos mercados, de tal forma que o efeito dos choques na trajetória da inflação poderá ser mais duradouro por conta de repasses de custos na cadeia produtiva (efeitos secundários).

Em situação diferente, de volta mais lenta da economia mundial, os repasses seriam mais moderados, não demandando atuação dos bancos centrais. Configura-se, portanto, mais um canal de contágio do quadro internacional: a alta dos juros no mundo, principalmente nos EUA.

O Fed (Federal Reserve – Banco Central dos EUA) está atrasado no ciclo de ajuste monetário, recentemente iniciado, tendo demorado a reagir à escalada da inflação por, equivocadamente, a julgar temporária, fruto da pandemia, minimizando a existência de pressão de demanda.

O espaço para surpresas negativas é relevante nesse front. O Fed sinaliza que as taxas de juros podem chegar a 2,75% aa em 2023, mas o risco é ter de fazer bem mais. Possivelmente, a taxa neutra de juros — aquela que coloca política monetária dos EUA no ponto morto — está mais alta do que no passado recente (próxima de zero, segundo o próprio Fed).

Em que pese o desmonte de muitos estímulos fiscais conduzidos durante a pandemia, a trajetória de gastos públicos continua acima da linha de tendência, podendo ser fator de pressão altista na taxa neutra. De quebra, há muita pressão de custo ainda a se materializar, como aponta o descasamento entre a inflação de insumos ou bens intermediários e a inflação de bens finais no atacado. Uma combinação desagradável.

Apesar do difícil quadro internacional, não se pode dizer que o Brasil está mal posicionado, a começar pelo fato de estar em fase mais adiantada do aperto monetário.

As tensões geopolíticas colocam a América Latina em posição relativamente melhor pela distância do conflito.

Investidores globais já analisam a região com outros olhos, enquanto temem ampliar investimentos na Europa ou mesmo na Ásia por conta do desconforto com a política externa da China.

No caso do Brasil, a capacidade de atrair investimentos estrangeiros poderá se beneficiar também de um cenário de transição política que alimente a expectativa de renovação da agenda econômica e de reconquista de credibilidade do país na comunidade internacional.

Enfim, há elementos que contribuem para melhorar a imagem do país perante o investidor global, em meio a um ambiente internacional complexo e até hostil. As elevadas taxas de vacinação contra covid-19 em relação à média dos países; as oportunidades decorrentes da agenda ambiental — onde o Brasil tem alguma vantagem comparativa —, a distância de zonas de conflito e a possibilidade de mudança política são elementos que ajudam a oxigenar o ar viciado.

Uma brisa mais refrescante que não pode ser desperdiçada. É missão do próximo presidente afirmar o compromisso com a disciplina fiscal e as reformas pró-crescimento, e demonstrar capacidade política e de liderança para a tempestiva entrega.

Zeina Latif é economista, consultora econômica e membro do Conselho Consultivo da Solstic Advisors.